RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
Os princípios abaixo tratam principalmente entre relacionamentos de irmãos da fé, pertencentes à mesma igreja local. Mesmo assim, alguns deles podem ser aplicados em outros tipos de relacionamentos: amizades, família, relações de trabalho etc. Como cristãos, somos chamados para sermos um povo que vive de forma diferente, baseando nossas ações não em preferências pessoais, modas culturais, criação familiar etc., mas na vontade divina revelada nas Escrituras. Cremos que a Bíblia não só orienta nossa vida e relacionamentos de modo claro e objetivo para com Deus, mas também para com o próximo. Vivemos em uma época contenciosa. O clima combativo da mídia e de muitos políticos parece influenciar os cristãos, empurrando-os para uma postura mais truculenta na igreja. É fácil para nós “sermos conformados com o mundo” em vez de ser “transformados pela renovação de nossas mentes” (Rm 12.2). Por isso, temos necessidade de pensar essas questões biblicamente.
Encarando o problema:
- Quando um irmão pecar contra você ou contra o corpo de Cristo, a pessoa lesada (ou a que viu a situação) deve procurar o irmão à sós para uma conversa pessoal e franca, seguindo as orientações de Jesus: “Se o seu irmão pecar contra você, vá e repreenda-o em particular. Se ele ouvir, você ganhou o seu irmão” (Mt 18.15).
- Enquanto você não procurar seu irmão pessoalmente, você não deve comentar sobre a situação com ninguém, seja amigos ou familiares. Jesus orienta que envolvamos o menor número de pessoas possível na reparação de um erro.
- Casais também deveriam se atentar a essa orientação e por vezes não conversar com o cônjuge até que tenha orado pela situação e procurado a pessoa que falhou para reparação. O mesmo se aplica a pais e filhos mais velhos (crianças e adolescentes precisam da orientação dos pais para resolver certas situações). Devemos ter o cuidado para não nos retroalimentarmos em casa com maledicência e fofocas. Princípios bíblicos devem ser seguidos dentro do nosso lar.
- Isso não pressupõe segredos entre casais, mas sim sabedoria bíblica em lidar com certas situações. O cônjuge precisa ser sábio em proteger o coração de seu parceiro(a), ajudá-lo(a) a amar a igreja e os irmãos da fé cada vez mais. É sábio conversar sobre certas situações com o marido/esposa somente depois que a situação tenha sido resolvida entre o cônjuge e um irmão da fé. Infelizmente temos a tendência de proteger nossos familiares quando eles estão envolvidos em problemas na igreja, mesmo que eles estejam errados. Devemos cuidar do nosso lar nesse sentido. Por outro lado, há problemas mais sérios que, às vezes, a sabedoria exige que conversemos em casa antes de tomarmos providência.
- Caso a pessoa ferida/lesada não procure seu irmão da fé rapidamente e com urgência, ela estará sujeita a “raiz de amargura” (Hb 12.15) – ira ou decepção não confessada. A raiz de amargura é comum entre incrédulos e nos afasta do Deus vivo (Hb 3.12); nos priva da graça divina (Hb 12.15); causa perturbação e contamina muitos ao nosso redor (Hb 12.15) e entristece o Espírito Santo (Ef 4.31). A raiz de amargura é “beber veneno esperando que o próximo morra”.[1] Ou seja, pessoas amarguradas são as que sofrem e padecem, enquanto não resolvem a situação. O salmista nos ensina que às vezes nossos pecados podem até adoecer nossos corpos: “envelheceram os meus ossos, […] o meu vigor secou” (Sl 32.3-4).
- Quanto mais tempo demorar para reparar a situação, “satanás” tirará proveito dela: “Fiquem irados e não pequem. Não deixem que o sol se ponha sobre a ira de vocês, nem deem lugar ao diabo” (Ef 4.26–27). Paulo diz que a falta de perdão permite que satanás tenha “vantagem sobre nós” (2Co 2.11).
- Enquanto a pessoa lesada não procurar o irmão(ã) para resolução do conflito, ela não deve evitá-lo, ignorá-lo, demonstrar sua chateação com atitudes impróprias, ficar de “cara feia”, etc. Fazendo assim você não resolverá o problema, mas estará aumentando-o.
Ao procurar a pessoa culpada para conversar, deve-se atentar o seguinte:
- A motivação da conversa é para “ganhar o irmão” (Mt 18.15) que pode ter pecado, não para difamá-lo ou prejudicá-lo com palavras.
- A conversa deve ser em “espírito de brandura” (Gl 6.1), sem “nenhuma palavra suja, mas somente o que for boa para edificação, […] sem ira, gritaria e blasfêmia” (Ef 4.29,31).
- A disciplina em mansidão e paciente tem maior possibilidade de trazer o arrependimento (2Tm 2.24-25).
- Jamais procure o irmão para reparar o erro se você estiver irado e não souber se controlar: “A resposta branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira” (Pv 15.1).
- Dê “o benefício da dúvida”, não faça pré-julgamentos, mas ouça o que o irmão que você considera culpado tem a dizer. Pode ser que o seu pré-julgamento esteja errado.
- Caso o irmão tenha pecado de fato, o pedido de perdão deve ser feito e o irmão lesado deve perdoar. A situação estará então restaurada. Não se deve mais mencionar o caso para nenhuma outra pessoa ou trazer ao culpado essa situação novamente.
Com relação ao perdão, lembre-se:
- É um mandamento, não uma opção para cristãos: “[…] sejam bondosos e compassivos uns para com os outros, perdoando uns aos outros…” (Ef 4.32);
- Quando perdoamos demonstramos que de fato fomos perdoados por Deus (salvos por Deus): “[…] perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós também perdoamos aos nossos devedores” (Mt 6.12).
- O parâmetro para perdoarmos pecadores é o perdão de Deus para conosco: “[…] perdoando uns aos outros, como também Deus, em Cristo, perdoou vocês” (Ef 4.32). Deus em Cristo perdoou os piores pecadores com as ofensas mais graves.
- A falta de perdão é pecado, nos aprisiona e nos traz muitos sofrimentos. Veja a parábola do servo ingrato como exemplo dessa realidade (Mt 18.21-35).
- O perdão é um “ato verbal”, ou seja, só se concretiza quando falamos “me perdoa” e recebemos a resposta, “eu te perdoo”. Quando pecamos contra Deus não dizemos “o tempo irá curar” ou esperamos que a situação mude naturalmente, mas buscamos reconciliação rapidamente mediante confissão “contra ti pequei” (Sl 51.4). O mesmo acontece com os irmãos, a situação só será realmente resolvida se confessarmos nossos pecados uns aos outros. O tempo não cura, pelo contrário, piora a situação.
- Em tempos de internet é válido enfatizar – não resolva conflitos por WhatsApp, redes sociais, e-mails, telefone etc. Converse pessoalmente com a pessoa.
Caso o irmão culpado não demonstre arrependimento:
- Segue-se os passos de Mt 18.15-17: “— Se o seu irmão pecar contra você, vá e repreenda-o em particular. Se ele ouvir, você ganhou o seu irmão. Mas, se não ouvir, leve ainda com você uma ou duas pessoas, para que, pelo depoimento de duas ou três testemunhas, toda questão seja decidida. E, se ele se recusar a ouvir essas pessoas, exponha o assunto à igreja; e, se ele se recusar a ouvir também a igreja, considere-o como gentio e publicano” (Mt 18.15–17)
- Duas ou três testemunhas serão envolvidas somente mediante a falta de arrependimento da parte culpada.
- Nesse passo de envolver mais pessoas, é sábio que se envolva os líderes da igreja e/ou pastores.
- Caso a pessoa culpada se mantenha obstinada em pecado, então o próximo passo é “conte a igreja”. Isso acontece em uma assembleia pública onde os membros estão presentes. O caso deve ser exposto da maneira mais objetiva possível visando a restauração do irmão.
- Deve-se então dar um tempo para que a pessoa culpada “ouça a igreja”.
- Se ele não ouvir, em uma próxima assembleia será excluído do rol de membros, será considerado “gentio ou publicano” (Mt 18.17).
- Como “gentio ou publicano” a pessoa pode sempre frequentar a igreja, sendo recebida com amor pelos que ali congregam, mas não será chamada de irmão(ã). Deve-se demonstrar compaixão e pregar o evangelho para a salvação dela.
- Devemos lembrar que temos orientações bíblicas para o afastamento quando necessário: “afastem-se deles” (Rm 16.17). Jesus disse aos apóstolos para sacudir a poeira dos pés e seguir em frente se uma cidade não tivesse interesse em sua mensagem, pois a colheita “é abundante” – senão em um lugar, então em outro (Mt 10.9-38; Mt. 10.12-15). Ou pense na lista detalhada de vícios de Paulo em 2Timóteo 3.2-5. Lá, ele critica as pessoas que amam a si mesmas, ao dinheiro e ao prazer – mas não a Deus. “Evite essas pessoas”, escreve ele. Um homem ou mulher devotado a falsos amores não dará atenção à correção, a menos que o Espírito intervenha. O comando para “evitá-los” libera líderes, familiares, amigos e colegas de trabalho da obrigação e do fardo de permanecer em relacionamentos comprovadamente fúteis. Permite que as pessoas carinhosas rompam com as pessoas que as usam e abusam.[2]
- Devemos lembrar que Deus usa da disciplina para o nosso bem, através dela produziremos “frutos de justiça” (Hb 12.11). A pior coisa que pode acontecer com uma pessoa é ela se privar ou recusar a disciplina.
Com relação à fofoca, lembre-se:
- O fofoqueiro é infiel e tem prazer em falar da vida alheia: “O mexeriqueiro revela os segredos, mas o fiel de espírito os encobre” (Pv 11.13).
- O fofoqueiro deve ser evitado – “[…] não se meta com quem fala demais” (Pv 20.19). Falar e ouvir fofoca, portanto, é pecado.
- O Senhor detesta fofoqueiros: “O SENHOR detesta lábios mentirosos, mas aqueles que praticam a verdade são o seu prazer” (Pv 12.22).
- O Senhor abomina quem semeia discórdia entre os irmãos: “Seis coisas o SENHOR Deus odeia, e uma sétima a sua alma detesta: olhos cheios de orgulho, língua mentirosa, mãos que derramam sangue inocente, coração que faz planos perversos, pés que se apressam a fazer o mal, testemunha falsa que profere mentiras e o que semeia discórdia entre irmãos” (Pv 6.16–19).
Sobre grupos de WhatsApp e redes sociais:
- Os mesmos princípios bíblicos destacados acima devem ser aplicados ao uso dessas ferramentas.
- Jamais devemos usar palavras sujas (Ef 4.29); que impliquem em “imoralidade sexual, impureza ou avareza” (Ef 5.3); não devemos usar de “grosseria, nem dizer coisas tolas ou indecentes” (Ef 5.4).
- Um bom princípio para nossas conversas de WhatsApp é: “eu teria coragem de usar essas mesmas palavras, nesse mesmo tom se eu estivesse pessoalmente com essa pessoa?” Se a resposta for não, então não aja assim também pelo WhatsApp.
- Se o grupo não for edificante, saia dele. Mesmo que sejam grupos ligados à igreja ou grupos religiosos. Grupos de WhatsApp e redes sociais devem ser usados para o seu crescimento na santidade e conhecimento. Livre-se de “todo peso e pecado que tão firmemente se apega a nós e corramos com perseverança a carreira que nos está proposta” (Hb 12.1).
- Devemos nos proteger do orgulho nas redes: seja falando mais do que devemos (Tg 1.19), postando fotos somente em busca de elogio e alimento do ego (1Co 4.3-4), tornando público “nossas obras de justiça” como fariseus (Mt 6.1) etc.
- Jamais substitua o contato pessoal e presencial pelas ferramentas da internet. Há sempre mais edificação e aprendizado em conversas, interações pessoais, leitura de bons livros e da Bíblia.
- Caso perceba um pecado cometido em algum grupo de WhatsApp, procure o irmão em particular e JAMAIS exponha o pecado no grupo ou nas redes. Siga os passos acima mencionados.
- Jamais queira resolver problemas e decepções com a igreja local em um grupo de WhatsApp. Antes, procure as pessoas responsáveis em particular para conversar.
- Se quiser inflamar algum sentimento em suas conversas públicas em grupos de WhatsApp ou redes sociais, que seja o amor.
- Considere passar pouco tempo nas redes sociais e em interação nos grupos de WhatsApp. Há estudos que comprovam que os cérebros dos jovens já estão sendo afetados por muita exposição a tanto acesso de informações ao mesmo tempo.[3] “A distração constante leva ao pensamento raso, e o pensamento raso leva a uma vida rasa”.[4]
- Como seres humanos finitos e limitados, não fomos programados para lidarmos com tanta informação, exposições e problemas ao mesmo tempo – isso já tem causado muitos transtornos emocionais e psicológicos. Por mais que a internet nos ofereça inúmeros benefícios, devemos nos atentar seriamente aos seus riscos.
- Em nossos diálogos, sejam nas redes ou pessoalmente, que possamos sempre considerar os outros “superiores” a nós mesmos (Fp 2.3).
Por fim, devemos lembrar que divisões e intrigas na igreja:
- Demonstram que “Cristo está dividido” entre nós (1Co 1.13)
- Permitem que “o nome de Deus seja blasfemado entre os gentios” (Rm 2.24)
- É uma prova de que “abandonamos o primeiro amor” (Ap 2.4)
- Se não houver arrependimento, Deus pode acabar com essa igreja “tirando o seu candelabro” (Ap 2.5), pois se comprovará que estamos nas trevas – “Quem diz estar na luz, mas odeia o seu irmão, está nas trevas até agora” (1Jo 2.9).
Que Deus nos ajude a sermos fiéis em nossos relacionamentos e atentos a esses princípios bíblicos, ajudando nossos queridos irmãos a viverem dessa forma em nossa igreja local.
NOTAS:
[1] Leia “Escolhendo o perdão: sua jornada para a liberdade” de Nancy Leigh DeMoss, Edições Vida Nova.
[2] Veja o artigo de Dan Doriani:
When (and How) to Avoid Contentious People (thegospelcoalition.org). Acessado em 13/02/2021.
[3] Gary Small,
iBrain: Surviving the Technological Alteration of the Modern Mind; Jean M. Twenge,
iGen: por que as crianças superconectadas de hoje estão crescendo menos rebeldes, mais tolerantes menos felizes e completamente despreparadas para a idade adulta
[4] Tim Challies,
The Next Story: Life and Faith After the Digital Explosion